Sermos mais nós passa por umha profunda reflexom do ser galego na sua integridade como naçom e reflectando no indivíduo heterogêneo. A idade de Fidalguia em O.Pedrayo plasma-se na sua narraçom “O Fidalgo” mas vivem na sua pessoa até a sua morte. Se extraímos a essência da obra oteriana, veremos a trifuncionalidade como algo a reconstruir na sociedade galega, vista por fim desde o ponto aristocrático.
No século XIV, a nobreza galega debatia-se, faustica, numha guerra civil peninsular: Pedro O Cruel e Henrique de Trastamara atrairom a atençom da Hispania Baixo Medieval. E os galegos jogarom também, e perderom. Os partidários de D. Pedro I tiverom longas e duras persecuçons das quais sairiam beneficiados as casas castelans maioritáriamente, (além de tudo nacionalismo fácil e demagógico) que iriam sustituindo à já feble aristocracia galega medieval, ensombrecida pelo poder eclesiástico no recanto norocidental. Logo vinherom as revoltas dos Irmandinhos a meiados do século XV, que luitariam contra essa nova nobreza e parte da galega supervivente (já fidalguia). Por se fosse pouco, o bando que jogamos a finais do mesmo século por Joana a Beltraneja contra a Rainha Católica acabou por sepultar a elite social, que históricamente toca-lhe viver como facheira da harmonia dessa mesma sociedade: Igreja-Nobreza- -Campesinhado/Homem productor. Rachado o cordom umbilical desse entremeio social, Galiza houvo de agachar a cervical entre umha nobreza “alheia” e em franca decadência e umha Igreja que se ia isolando e desgaleguizando (unificaçom das Ordes desde Valladolid ao longo so século XV-XVI). Só o campesinhado mais ilhado ainda guardou o que a sua forte memória podia armacenar: essa é a Galiza na qual vivemos hoje. Cumpria, no século XIX, voltar às raigames espirituais e materiais que nos afirmam e diferenciam como naçom. Dentro dumha reconstrucçom total como povo, a trifuncionalidade social é um facto do qual os galeguistas ainda nom somos conscientes da sua verdadeira dimensom histórica e político-social.
O tempo de Otero Pedrayo, é em parte semelhante ao nosso: umha repressom da tarefa e protagonismo do agro como fonte de producçom e cultura tradicional, umha pujante revoluçom industrial que favoresce a criaçom dumha forte burguesia urbana que conleva irremisívelmente a umha sustituçom de valores sociais e espirituais entre o novo (o que já está) e a resistência do “Ancient Régime” com as suas próprias hierarquias de valores sustantivizadas no caso galego com a miragreira supervivência dumha caste fidalga nom completamente galega mas si galega- que serve de referência meta-histórica a umha funçom guerreira e heróica, cavaleiresca no seo dumha sociedade em franca crise integral.
Otero Pedrayo parte da corrente do seu intre histórico: O nacionalismo historicista do século XIX que vivia na terceira funçom e no Campesinhado, sobre-tudo, a arca onde se guardava a sabiduria dos nossos antergos, as tradiçons mais puras que ainda nom podiam restar. Penso que esta actitude está justificada perante a pirrica presença da nobreza “de segunda”, galega e diante da monstruosa “dictadura” do ambiente capitalista, social, cultural, econômico e político. A cidade vence à aldeia, é mais, vence ao paço. Hoje, derrotado o campesinhado parece-me mais oportuno o voltar a umha nova conceptualizaçom do trifuncional para saber procurar em tudos os seus elementos sociais o que mais nos achegue à nossa consciência nacional e colectiva: o agrarismo romântico finou já há muito tempo.
Castelao nom via muito claro tudas estas apreciaçons que Otero avantalhara a Risco nestas consideraçons nada nímias. Pedrayo é dos únicos da geraçom “Nós” que defende a “capa e a espada” (nada melhor dito) ao fidalgo tenente de terras, diferenciando-o muito bem do cacique neo-fidalgo de extraçom (a burguesia, como muito bem sulinha O.Pedrayo é um erro saído da própria sociedade: nom cumpre o papel que lhe corresponde na sociedade, pois meiante o benefício material, ascende ao cúmio da hierarquia, sendo esse meio, “ilegal” à hora de estabelecer umha hierarquia natural na sociedade, agás poucas excepçons. Um fidalgo pode ser pobre, mas rico (os “ricos homens” medievais) contra o que a política e intelectualmente luitam (a acçom como elemento tangível da segunda caste, cavaleiresca) desde as Irmandades da Fala ou o Partido Galeguista.
Nos primeiros anos da década dos 20 deste século, Otero escreve umha das narraçons mais evocadoras e que ciquais botava em falha a literatura (e a história) galega, como reflexo dessa necessidade de reconstrucçom integral da sociedade galega. E por isso nada melhor que a criaçom de arquétipos esquecidos na memória dumha naçom, a construcçom de “mitos”, como diria Risco para que Ys volte à superfície dumha vez para sempre. Baixo estas categorias jungianas, Pedrayo tenta reviver em pleno século XX, o que já Valle-Inclán, como galego tentara defender como Marquês de Bradomim, como carlista, como monárquico tradicional, mas ciquais tudo fosse umha estética (que algo é algo), para o Vila-Garciano de brancas barbas ainda seriamos injustos se assim o julgáramos categoricamente.
Mas o nosso Ourensá, sabe estabelecer categorias, bases ideológicas, (a diferência de Valle-Inclan ), sobre as que defender o guerreiro dos paços, ao homem heideggeriano que tenta estar mais aló do bem e do mal, mais aló do pecado. Ir percorrendo detalhadamente esta obra mestra da narrativa (muito avançada para a sua época) galega será para mim um prazer infindo.
Em “O Fidalgo” , D. Ramóm da Galiza (como o definia Blanco Amor) a esegese nietzscheana tem cabida com um cristianismo heterodoxo respeitável com o passado pagano dos seus antergos (nom esquezamos a épica pagana, heróica é fundamentalmente guerreira e mística): a fortaleça de corpo (nom sabia o que era umha doença, p.8 ), (1), a sua falha de espírito religioso e passivo que iam contra a sua indiosincrássia: “demorou-se muito nos clássicos, turrava-lhe muito a caste. E por tudo isto nom quixo ordear” (p.8 ). Este espírito de luita nom verá tampouco no religioso umha contradiçom mas si umha contemplaçom; dumha banda, os seus estudos em Fonseca, as suas visitas a Santa Clara (sabida é admiraçom de D.Ramóm por Sam Francisco), o ambiente religioso (daquela) das ruas da Compostela choiventa, ou a Igreja das Freiras onde conheceu a dona Rosinda nom se contraponhem à caça heróica (que nada tem que ver com a de hoje, “deportiva e anti-ecológica, de “satisfacçom” lúdica), a força cavaleiresca contra dos tiranos e mal-perdedores, ao combate ideológico com a burguesia prestamista e comerciante, às histórias de lobos e genealogias das que fala ao longo desta breve e rica narraçom.
O pai de D. Joham é a tradiçom perpétua, o agarimo ousado e viril (verdadeiramente viril e nom de “macho ibérico”), o que transmite a força dos da sua caste, com a mirada, com a pipa centenária de carvalho (árvore: simbologia do genealógico, as árvore sagrada céltica, o inmorrente, a tradiçom unânime de novo), o brador dos dous rios (pai e filho) que se escuita fora do paço (p.9). Ali estam os dous, a criança olhando para as serpes de fume, o velho de longas barbas (sabiduria) com o seu “império da voz” quando fala aos criados, (p.10) num ambiente de silêncio e contemplaçom activa: o velho está-se a despedir (cronológicamente, o autor indica o débalo da fidalguia com anos, 1835, 1855, ... é dizer,tenta um sentido histórico que vai mais alô do anecdótico plasmando umha transformaçom temporal e real, vivencial, social) da frol da sua caste, o seu filho (p.10).
A família cobra pois umha nova dimensom na obra oteriana sublinhando-nos que é o sangue, a descendência o que faze que um “nom morra nunca” pois perpetua-se, pela herdança ao longo dos séculos, os séculos escuros que lhe tocaram viver aos seus descendentes. O bom nele que o fidalgo tem que cumprires na sociedade de súbditos e superiores dos que se arrodea está assegurado, pois na harmonia e equilíbrio social é no que se baseia qualquer estamento da sociedade: o abuso de qualqueira delas é suficiente para que essa sociedade entre num débalo ao melhor irreparável e assim os “Que grande cavaleiro!” que ao longo da obra aparescem em boca de campesinhos e cidadans som o leiv-motiv da existência da benfeitura dessa orde social, que cumpre bem no seu papel, o Fidalgo: Frase para epitáfio: “É precisso cruzar chairas temerosas de lobos; antes de se acougar ao lume dos paços” (p.13).
Assim, a vida cotiá de fidalgo é um “rito” (nom no sentido mais sagrado da verba, bem entendido) umha ceremónia, lembremos a chegada majestuosa do filho no quarto onde morre o seu pai (que se confessa como “um rei cristiã”) como “bom seguidor da caste” (p.12) e a mão no ombreiro do pai ao seu filho sucessor qual rito estabelecido por Raimundo Lluio. Ainda hoje estremecemo-nos quando um amigo de confiança deposita em nós umha forte responsabilidade e efectua umha ceremónia do ombreiro. A morte do pai (o pai como vencelho aos antergos, só um vencelho nom um “amor” familiar próprio da mentalidade reducionista burguesa da qual participamos hoje).
Se a estética pode ser o reflexo de algo que lateja no interior, mais importante é sem dúvida o seu comportamento com os que arrodeam: serenidade, o equilíbrio aristocrático, a aureola com que D. Joham se passeia pelas ruas compostelanas ou montando a cavalo, a sua superioridade que nom é essa “superioridade sem decatar-se delo” (p.14) como poucas vezes lim noutros sítios à hora de definir o estilo dum aristocrata, pois os prejuiços quando leio e falo com alguém destes temas nom som poucos, pois partem dum conceito, para mim, errôneo da hierarquia social, aspeito que ignoram ou negam pelo medo que lhe tenhem à palavra em questom.
Mentres, o fidalginho espigado, alto (a altura como signo de distinçom nobre ainda que nom única) rube as ascadas das Praterias de Compostela, falando de genealogias (p.15) ou namorando à que ia ser a sua mulher. É importante sobrancear que a conhece “ao entrar numha pequena igreja das freiras para fazer algumha barbaridade” (p.14) acaso o D. Joham de Tirso de Molina e o D. Joham oteriano nom nos leva a algumha afinidade quando ouvimos falar dum D. Joham e a verba freiras? O mito de D. Joham suevo e galaico revive umha vez mais, como diria Ramiro de Maeztu (2) Dom Joham estremecendo-se entre os quadros de homens ilustres, da sua linhagem, homens sérios em quadros que Rosinda irá comparando para saber de onde vem o seu filho, com quem tem semelhança dumha maneira natural que hoje causariam arrepio a mais dum, esses retratos que ainda ficam nas nossas velhas casas, esses rostros serenos e extranos que tenhem mais de nós do que cremos. A sensibilidade de Otero Pedrayo chega a cúmios que fazem tremer ao mais insensível: para comprender a Otero Pedrayo há que se espir.
Voltemos a inocência parsifaliana, ao “inocente puro”, ao nécio puro, a essa infância sem maldade do adulto D. Joham que tem filhos ilegítimos e que nom pode deixar que morra o seu bastardo ( o bastardo tem direito a Brasom mas com banda diagonal de identificaçom de bastardia, nom o obviemos) vendo neste episódio a franqueza e a compreensom de Rosinda e sem embargo: “Que grande Cavaleiro!” e já no 1875, enveja dos senhores da Vila, fome dos curas e prestamistas (p.18 ), esse enjiçar simples das cousas que faze que os cregos-paganos de Otero julgem com sensibilidade (p.19): “D. Joham peca com a singeleza dumha criança”, diziam os abades severos oterianos.
Sabida é capacidade das almas nobres para entender signos e simbologias que nos rodeiam dia a dia (“o mundo está cheio de símbolos esperando a que nós lhes deamos um sentido” dizia F.Nietzsche) e o fidalgo lê histórias de javarins, de outra gente e das suas próprias caças, as setenta e sete cabeças do lobo que atopam no Brasom dos Moscoso, o seu cam “Soult” ao qual nom pode fazer outra cousa que matar quando antes delo o iria percurar para falar entre eles dous. A natureza semelha umha aliada e nom umha inimiga ou umha fonte de riqueza para produzir benefícios. Daqui xurde a diferente mentalidade entre o homem da vila, comerciante e o fidalgo contemplador e luitador, aqueles ganham terreno (que Pedrayo sublinha cronológicamente) nom só no seu próprio eido de acçom (a vila), senom que iram transformando a vida do próprio aristocrata: um carro (no canto do cavalo), passa muito tempo em Compostela, nom tem dinheiro para renovar (palavra extrana para um fidalgo) a sua cavana gandeira, empresta dinheiro e o dá desinteresadamente a “uns amigos da vila” que semelham ser boas pessoas (e que logo o enganaram), acode com “amigos” da cidade e burgueses a casas que eles mesmos modernizam e nas quais “o amo nom sabia ler os escudos” (p.26), amores perdidos pero que D. Joham oculta ao nom ir pelas ruas (Rua Nova e Vilar de Compostela) de gente devota, (“nom se pode chamar a atençom da gente devota” p.25) num nobre detalhe à religiosidade, porém “o fidalgo sempre olha para o céu”, (p.25), e o pergameo e o mel agachados nos paços da burguesia pujante significam o oculto, o perenne, “O símbolo dos bons tempos, a honradeza da Tradiçom, o tesouro da casa,(contra do conceito burguês e actual “tesouro”), o mel suave das avoas e das abelhas que zugam nos jardins antigos e lozem como pintas azadas de ouro no fundo de gules dos escudos!”.
Um mundo derruba-se e é sustituido por outro péndulo do Eterno Retorno, nom há nada que fazer contra o Destino ainda que sejamos Prometeos so século XXI. D. Joham nom pode viver neste tempo, nom tem dor, nunca tivo a dor que agora lhe sacude o corpo e a alma, a nobreza nom conhece sofrimento físico, morre-se e já está: D. Joham suicida-se como fizera com o cam, sem vanidade (sic) sem pecado. A era do Kali-Yuga agacha o momento incluso na sepultura do insigne fidalgo: umha sombra de mármore dum protagonista vence para nom vencer, derrota para ser derrotado.
A “Geraçom Nós” tenta estabelecer umha nova elite, umha nova e antiga aristocracia que lateja ainda inmorrente na alma galega. Cequais “O Fidalgo” poida ser o revulsivo literário para encetar esta longa e secular andaina, cequais nom seja este modelo oteriano o que haja que seguir literalmente mas si pagou a pena que os luitadores intelectuais de primeiros de século XX combatiram nesse “Ocaso dos Deuses” chamado Guerra Civil para que logo dela rexurdira umha verdadeira Galiza que se resiste a ser só milheiros e milheiros de labregos e emigrantes dominados por capitais e gentes alheias a nós mesmos. Necessitamos esse espírito quixoteiro que nos falha, a tarefa é longa e titânica mas nom impossível. Obrigado pela sua mensagem, D. Ramóm, a história dá-nos essa oportunidade para demonstrar, para fechar esse círculo que nunca se fechou na consciência nacional galaica: SERMOS MAIS NÓS.
Notas:
(1) Para o comentário desta obra empregamos a ediçom, nom tudo o coidada que se quereria de Otero Pedrayo, Ramóm, o Fidalgo e outras narraçons. Biblioteca Básica da Cultura Galega. Galaxia, Vigo, 1982, e o especial de A NOSA TERRA. A sombra inmensa de Otero Pedrayo, Extra nº8, Vigo, 1988
(2) Maeztu,Ramiro, D.Juan, La Celestina y El Quijote. Espasa-Calpe, Colecçom Austral.
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