segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Atlântia


Segundo a teoria tradicional (a dos manuais de filologia românica), o galego é umha fala formada após a romanizaçom, isto é, depois da definitiva conquista de Augusto, entre 29 e 19 a. C., e diferenciada doutras por razons de substrato diferente (que segundo os diversos investigadores parece pré-céltigo, paracéltigo, lígure, ilírico, pré-indo-europeu, indo-europeu), de superstrato diferente (germânico), mas nom por razons socio-linguísticas. Em substância, umha língua formada e desenvolvida num raio de poucos séculos do primeiro milénio depois de Cristo.

Os elementos que originaram este ponto de vista tradicional som essencialmente dous:

1) A teoria tradicional sobre as origens indo-europeias, da qual esta é filha e consequência;

2) Um respeito feiticista pela dita «primeira atestaçom» (dum texto, dumha crença, dumha concepçom), que continua a ser vista como um simples terminus a quo, ao passo que –congregando os ganhos teóricos alcançados pela dialectologia e pela antropologia– devia ser avaliada nom como prova do primeiro aparecimento dum fenómeno, mas antes da preciosa vitalidade de tradiçons anteriores, de vestígios da existência desse mesmo fenómeno, isto é, nem mais nem menos, um autêntico terminus ante quem. Dacordo com a Teoria da Continuidade, a Gallaecia pertence a umha área linguística de instalaçom proto-céltiga, como demonstra, antes de mais, a presença do megalitismo céltico-atlântico, que remontando a umha época imediatamente posterior ao Mesolítico, é o mais antigo da Europa, depois do Bretom. Todos os indícios apresentados (toponomásticos, fonéticos, arqueológicos, religiosos, genéticos) descrevem, com
base numha indubitável cumulative evidence, um celtismo originário da Kallaikia/Gallaecia, bem mais antigo que o celtibérico e, provavelmente, mais arcaico do que o verificado no gálico da França actual.

Este dado nom é explicável dalgum modo no quadro tradicional. A única maneira de explicar as ligaçons céltico-atlânticas originárias da naçom galaica é identificando esta zona como umha propagaçom sul-ocidental da pátria originária dos povos de língua céltiga e de fazer recuar a dataçom da presença céltiga a umha época, polo menos, mesolítica. Deve acrescentar-se que, se foram os metais que originaram a ideia de terem sido os Celtas os primeiros dominadores da Europa, a Península Ibérica, e em particular a zona Galaica, é o único território céltigo
europeu onde atopamos o ouro, a prata, o estanho, o cobre e o bronze (Ballester, 2001, p. 385). Polo tanto, o que sabemos do Paleolítico ibérico norte-ocidental –com os seus vestígios dumha evidente continuidade desde a indústria paleolítica dos seixos afeiçoados até aos sítios neolíticos e às jazidas da época romana–, e dada a total ausência de vestígios de invasons na época mesolítica-neolítica, permite projectar a situaçom até agora descrita para a época do Paleolítico Superior, quando surgem as provas mais evidentes dumha presença do Homo sapiens
sapiens na faixa setentrional Galaica. A Península Ibérica meridional, nessa mesma época, é já hipoteticamente umha parte ibérico-occitálide (isto é, a área identificada com a cultura neolítica da Cerâmica Impressa/Cardeal, que no quadro da Teoria da Continuidade remonta ao Paleolítico Tardio); deve assim colocar-se a hipótese de ter havido umha simbiose, na Península, entre os grupos céltigos (originariamente no Atlântico Norte e no centro) e os grupos ibérico-occitálides (originariamente no centro e no Sul), cumha recíproca e forte presença ibero-occitálide, em direcçom ao Norte, e céltiga, em direcçom ao centro-Sul. O galaico seria de fundo céltigo cum superstrato ibérico-occitálide. A recente romanizaçom, a que teria provocado, dacordo com a teoria tradicional, o nascimento das falas hispânicas, nom fez mais do que acentuar essa situaçom milenar, completando a italianizaçom da parte norte-ocidental.

Assim, agora, quando regressarmos à Itália e deixarmos para trás esta belíssima terra atlântica, nom iremos senom repetir um pouco esse movimento de ocidente para oriente, a suposta direcçom dumha parte dos grupos céltigos históricos. Na realidade, e simplificando, iremos voar sobre o território europeu, onde as gentes indo-europeias estiveram desde sempre, sem terem percorrido milhares de direcçons e sem terem invadido milhares de vezes terra estrangeira: porque devemos colocar hipóteses diferentes para os Indo-Europeus das que admitimos, sem perturbaçons, para os outros continentes? Nom é realmente verdade que os Africanos estiveram sempre em África, os Chineses na China, os Aborígenes australianos na Austrália? Só os nossos Indo-Europeus, e entre eles, em particular, os belicosos Celtas, seriam a excepçom entre as populaçons do mundo, tendo incessantemente de mudar de sítio, ocupar, guerrear, através de milhares de quilómetros, de milhares de anos, a andar para a frente, a torto e a direito, numha eterna e volúvel instabilidade.

Nom será, na realidade e acima de qualquer outra cousa, este presumível nervosismo das gentes indo-europeias, esta ânsia esquizofrénica de migrar, invadir, combater, um reflexo da inquietaçom dos nossos estudos?

MARIO ALINEI E FRANCESCO BENOZZO

http://www.continuitas.org/texts/alinei_benozzo_origens.pdf
http://www.continuitas.org/texts/alinei_benozzo_alguns-aspectos.pdf
http://www.continuitas.org/workgroup.html

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